"Fique bem determinado que a Pequena Obra é para os pobres" (continuação)
POBRES
'Queremos ser pobres e viver para os pobres'. (Sui passi di Don Orione, 116).
A pobreza foi para Dom Orione uma condição de vida ('entre as graças que o Senhor me deu, eu tive a de ter nascido pobre') quando vivia em sua família em Pontecurone. Mais tarde, por vocação, a pobreza se tornou uma santa ideia fixa de toda sua vida pessoal e em sua ação de Fundador. Todos recordamos gestos ou frases dele sobre esse tema: do sofá queimado diante da comunidade em Villa Moffa a suas palavras 'não é entre as palmeiras que eu quero viver e morrer, mas entre os pobres que são Jesus Cristo', (Cf. Papasogli, p.503-505.) palavras ditas pouco antes da morte.
Dom Orione pedia a seus discípulos que 'encarnassem' a pobreza, pois não basta abraçar teoricamente a pobreza, mas é necessário 'encarnar' em nós a vida dos mais pobres (Cf. GS 1; ET 18; Spirito di Don Orione V,79.) e 'desposar' a pobreza a imitação de Jesus Cristo. (Veja-se o texto em Spirito di Don Orione V, 79-80. Importantes referências se acham no vol. V de Lo spirito di Don Orione todo dedicado à 'Pobreza', e no belo capítulo 'Poveri, piccoli, umili, semplici' em Sui passi di Don Orione, p.103-112.). Isso inclui seguir Jesus que 'assumiu' a condição de servo (Fil 2,7-8) e proclamou bem-aventurados os pobres (Cf. Lc 6,20). Deus tem predileção por aqueles que são pequenos e humildes, como Maria de Nazaré: 'ele olhou para a humildade de sua serva' (Lc 1,47-48).
Parece lógico reconhecer duas principais razões da radicalidade na pobreza vivida e transmitida por Dom Orione. Primeiro a razão mística: a pobreza nos torna agradáveis a Deus, em sintonia com a vida de Jesus. Depois a razão carismático-apostólica: a pobreza nos faz próximos dos pobres, em sintonia com o povo humilde ao qual nos destinamos. A pobreza verdade/humildade tem um valor que nos dispõe à caridade para com Deus e para com os irmãos. Dom Orione explicava assim: 'A humildade e a caridade andam juntas e parecem se assemelhar, uma a São João Batista, e a outra a Nosso Senhor Jesus Cristo. Como São João Batista se pôs a endireitar os caminhos do Senhor, assim a humildade é aquela que libera o coração de todos os sentimentos de orgulho, de soberba e de amor próprio, para que o coração, livre de tudo que sabe ao mundo, possa acolher a caridade, isto é, a Deus: Deus charitas est'. (Dom Orione, Boa noite no dia 15 de maio de 1939, Parola X, 185.).
Conhecendo a importância da pobreza e nossa inclinação para as comodidades, Dom Orione advertia: 'Será necessário estar fortemente ligados à pobreza, porque a natureza tende sempre a alargar. Eu tenho sempre preocupação com as modificações, não aconteça que elas levem a facilitações em prejuízo do espírito de pobreza. Não raro, eu procuro ser duro nesse ponto, mas bem sabeis que o arado corta a terra e a fecunda. Quanto chorou Dom Bosco quando viu que a pobreza ia tendo relaxamentos. E agora eu que já vi tanta coisa e já aguentei... sou como um que tendo sofrido uma embriaguez detesta o vinho'. (Spirito di Don Orione, V, 71.).
Essa embriaguez de Dom Orione com as riquezas me fez muita impressão. Não a esqueci jamais. Sentir pelo menos algum susto diante da riqueza (o vinho que embriaga!) é um sintoma providencial que ajuda a reagir e não deixa chegar à dependência, à embriaguez que nos afasta de Deus e do povo pobre ao qual somos enviados.
Justamente esta manhã a Missa nos apresentava a palavra peremptória de Jesus: 'E' mais fácil um camelo passar pelo orifício de uma agulha, do que um rico entrar no reino de Deus' (Mc 10, 25).
Conhecendo até demais a tragédia da história de tantos religiosos e de tantas congregações 'nascidas pobres e para os pobres' e que acabaram acomodadas na riqueza, mesmo e apesar de terem o voto de pobreza, Dom Orione quis amarrar os seus religiosos, com o especial juramento de pobreza. (Dom Orione fez, ele mesmo, o juramento de pobreza em Villa Moffa di Bra, no dia 13 de agosto de 1913, e criou a fórmula para os confrades. Veja-se o art. 36 das Constituições.).
O objeto específico do juramento, tanto pessoal como institucional: 'juro que não darei jamais meu consentimento para que se relaxe nenhum ponto de quanto nossa Regra e nossas Constituições estabelecem no tocante à pobreza, nem procurarei jamais nada disso, por nenhuma razão e de nenhum modo, nem isoladamente, nem no Capítulo da Congregação'. (O texto atualmente em uso é ainda o mesmo redigido e usado por Dom Orione e pelos primeiros religiosos no dia 13 de agosto de 1913, em Villa Moffa di Bra.). A comodidade e o relaxamento, como bem ensina a história da vida religiosa, primeiramente se infiltram nas pessoas, depois se tornam maioria e enfim chegam a ficar costume geral e até mesmo regra. (Mas, com Bento XVI, repetimos que 'os Santos, são a verdadeira e determinante maioria, segundo a qual nós devemos nos orientar. Para essa maioria olhemos! Eles, os santos, traduzem o divino no humano, o eterno no tempo', conforme está citado Somos filhos de um Santo: avante!, nos Atti e comunicazioni 2004, n.214, p.95.).
Com a pobreza está em jogo o 'bom espírito', o espírito de consagração a Deus e aos pobres. Assim, pois, observava Dom Orione, que 'Quem quer se tornar religioso de verdade não entra em Congregações relaxadas, mas nas Congregações observantes das regras e dos votos; é o bom exemplo que atrai outros a nos seguirem. Lembrai-vos disso! No dia em que nos tornarmos ricos estaremos escrevendo o nosso: fim!'. (Parola VI, 218. 'Sei de alguém que gira e regira com facilidade, que com facilidade alguns saem e vão atrás de bebidas pelos bares e cafés, e vivem ocupadíssimos com tudo, menos como que é espiritual e menos ainda cuidam de se corrigir e de se entregar ao verdadeiro amor do Senhor: por Deus, isso não vai bem! Por caridade, fiquemos unidos a Deus', Lettere I, 58. 'Quanto às Irmãs, elas estão se tornando demasiadamente comodistas, demasiadamente senhoras... Dói muito ter que vos dizer tudo isto', Scritti 68, 128.).
São palavras que nos fazem refletir. E que nos ajudam também a tomar decisões.
'A pobreza deve ser o firme muro de defesa da Congregação. Onde Ela é cultivada, lá floresce o espírito de Deus; onde ela anda esquecida, entra a dissolução, e caem os cenóbios mais célebres. Caíram ou acabaram sendo supressas congregações ilustres fundadas por Santos, Congregações que se ilustraram com o florescimento de homens de Deus, em outros tempos, e de pessoas ilustres pela piedade, pela ciência e pelo espírito de observância religiosa; caíram porque abandonaram a observância da pobreza.
Procuremos, pois, manter alto o espírito de Jesus Cristo, que é o espírito de santa pobreza. Acabaremos por nos dissolvermos quando tivermos abandonado o espírito de pobreza. Até quando vivermos vida pobre e humilde estaremos longe de tudo que pode tornar lânguido o nosso espírito e a Congregação poderá desenvolver a missão que lhe foi confiada pela Providência'. (Spirito di Don Orione V, 73-75.). - foto de Pe. Romolo Mariani com crianças em Moçambique (Continua amanhã).
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