sexta-feira, 7 de outubro de 2011

CARTA DE DOM FLAVIO -SUPERIOR GERAL


29 de agosto de 2011
Festa de Nossa Senhora da Guarda
    
            
       Caríssimos Confrades,
            Tive grande alegria, também neste ano, com a celebração da querida festa de Nossa Senhora da Guarda de Tortona. Repetiu-se o costumeiro espetáculo de fé e da grande multidão. Eu tinha levado comigo o texto, que acabara de ler, de um documento da Congregação para o Clero. Tratava-se da Carta aos Reitores de santuários de todo o mundo.[1] Nela há o convite para valorizar a devoção popular mariana como caminho da experiência de Deus e da evangelização no contexto de secularismo e de enfraquecimento do espírito religioso. Coloquei esta carta de tema mariano ali diante de Dom Orione, no seu Santuário de Tortona. A carta torna atual a convicção de Dom Orione: “Dar Nossa Senhora às almas é dar-lhes Jesus Cristo, a Igreja, a fé, o que significa dar a salvação”.[2]
            Havia muito tempo que eu queria dedicar atenção e fazer uma reflexão sobre a devoção mariana em nossa vida e pastoral de Orionitas. Esse caminho de caridade pastoral foi muito praticado e inculcado pelo nosso santo Fundador, “alma mariana” [3], que tudo via e vivia “na luz de Maria”.[4] Não posso deixar de recordar que meu primeiro encontro de estudo com Dom Orione e com suas fontes do arquivo aconteceu por ocasião da preparação de minha tese de licença em liturgia, e tinha como tema “A devoção popular mariana no beato Dom Luís Orione”.[5]
            A promoção da devoção popular mariana é um aspecto relevante do nosso apostolado. Atinge diretamente muitos religiosos e santuários da Congregação e, como sabemos, envolve de alguma maneira a todos nós porque onde está o povo, aí está a devoção mariana, nas paróquias, nas casas de caridade, nas escolas, nas missões, nas casas de formação, com os jovens, com os doentes e em nossas mais variadas atividades.  A devoção mariana não está reservada a um número particular de atividades e de pessoas, mas constitui um clima, uma modalidade, um modo de ser da nossa vida e da nossa caridade pastoral. Se é verdade que “não se pode ser cristão sem ser mariano” (Paulo VI, aos 24/04/1970, no Santuário de Bonaria), assìm igualmente não se pode ser orionita sem ser mariano.

Um tesouro a ser valorizado
 Já houve quem olhasse – e ainda há quem olha – as  “devoções  populares” com dose de desconfiança, como se fosse coisa infantil ou coisa supersticiosa: terço, escapulário, peregrinações, sinal da cruz antes da viagem ou antes de começar um jogo... E não faltam aqueles que reparam que certas práticas e devoções nada mais são que meros truques sentimentais e disfarces individuais para evitar compromissos sérios na ocorrência de algum encontro pessoal e comunitário com Deus que se mostra   principalmente nos sacramentos de sua presença e na liturgia da Igreja. Entendamo-nos: vou ao santuário, acendo minhas velas, dou alguma oferta e faço umas rezas… mas paro por aí; nada de Missa, nem de Palavra de Deus, não sigo o Evangelho e lá vou eu sem nem pensar em arrependimento e conversão... Ou como dizia Dom Orione, “Na hora da procissão todo mundo grita “Viva Maria!”: e o mais comum é que de religião o que sabem é só isso, porque são poucos os que sabem o Pai nosso ou a Salve Rainha; e quase ninguém conhece os mistérios do rosário, os principais mistérios da fé ou os mandamentos da lei de Deus; o resultado dessa ignorância é que tantos vivem amasiados, como se isso nada fosse…”.[6]
Em não poucos casos, em certas formas de piedade popular misturam-se elementos de superstição, de práticas pagãs, ou de rigidismos psicológicos.
Devido a essa grande ambigüidade presente em expressões devocionais, uma pessoa ou grupo de pessoas que exprima sua própria fé de modo concreto, fora do restrito âmbito litúrgico e das paredes domésticas, corre o risco de ser tachada de retrógrada, de fanática ou, pior ainda, de psicopata.
É preciso levar tudo em conta, mas é inegável que existe um sentimento religioso autêntico e popular, inerente à natureza humana. O eco de saudade e de desejo da paternidade de Deus, quando não encontra um caminho autêntico, vivo e cristão, quer dizer, “próprio de um filho”, impele a buscar outras formas de “devoção” e a ir atrás de magos, milagreiros, médiuns e anunciadores de práticas satânicas, de superstições e de neuroses de todo tipo.
O Magistério eclesial expressou muitas vezes a estima pela piedade popular e por suas manifestações. E aos que a descartam, aos que dela fazem pouco caso e a desprezam, o Magistério eclesial sempre admoestou e orientou que assumam, postura e atitudes positivas para com ela e para com seus valores, pois trata-se de “um verdadeiro tesouro do povo de Deus” (Marialis cultus 31).
O número 1679 do Catecismo da Igreja Católica aponta claramente a posição prática da Igreja com relação às devoções populares: “Além da Liturgia, a vida cristã se nutre de várias formas de piedade popular, enraizadas nas diferentes culturas. Embora estando alertas para iluminá-las com a luz da fé, a Igreja valoriza as formas de religiosidade popular que exprimem um instinto evangélico e uma sabedoria humana e enriquecem a vida cristã”.
Ainda hoje, e talvez mais precisamente hoje, em nosso contexto histórico-cultural, as devoções populares antigas e novas são verdadeiras riquezas e um patrimônio para a nossa vida cristã.
Para nós Orionitas, acrescente-se mais um motivo carismático que nos convida a cuidar das devoções populares. Dom Orione recomendava: “Nós queremos, lembrem-se sempre, queremos estar ao lado do povo, também neste ponto, para salvar a sua fé, e para fazer crescer a sua vida cristã, sobretudo pela vivência da fé popular, através das devoções populares… insistindo particularmente sobre o sentimento de confiança em  Deus e em Maria Santíssima”.[7]

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