Esta palavra: «Não conhecem os segredos de Deus» (Sb 2,22) da primeira leitura arrisca ser dirigida também a nós. Nestes dias, nos quais a Páscoa se faz sempre mais eminente, somos convidados a abrir muito mais o nosso coração para deixar-nos introduzir nos mistérios que celebramos, e deixar-nos transformar íntima e verdadeiramente por «este sacramento que passa da antiga à nova aliança» (oração depois da comunhão). Tudo isto não acontece na confusão e na exterioridade, mas na mais absoluta discrição: «Quando seus irmãos já tinham subido, então também ele subiu para festa, não publicamente mas sim, como que às escondidas» (Jo 7,10). Enquanto seus familiares sobem a Jerusalém quase com ostentação – talvez também pela consciência de parentela com aquele Jesus, do qual todos, bem ou mal, falam – o Senhor, ao contrário, faz cada coisa com suma discrição, porque não quer fazer-se acolher pela imposição, mas livre e voluntariamente. Como explica Orígenes: «Existem homens que o buscam por inúmeros motivos muito distantes do bem[1]. Hoje, talvez nós mesmos devamos questionar-nos sobre que coisa nos leva a buscar o Senhor, e o quê está no fundamento de nosso desejo de estar perto dele, de fazer parte do círculo de seus «irmãos». Nós o fazemos para aparecer e ter um título de reconhecimento, e sentir-nos parte de uma realidade segura, como pode ser a Igreja, nas suas várias realidades? Ou por uma profunda adesão ao coração e à lógica de Cristo? A pergunta se faz forte: «Onde estavam estes irmãos no momento da paixão?». Seremos nós capazes de permanecer ao lado do Senhor quando o ser seus irmãos e amigos pode custar caro? Ou ainda uma vez, nós o abandonaremos ao seu destino: «Vamos condená-lo a uma morte vergonhosa, porque, de acordo com suas palavras, virá alguém em seu socorro» (Sb 2,20). Ao contrário, o Senhor Jesus nos convida a tomar parte na sua paixão de amor pela humanidade, de deixar-nos envolver no seu dom, e não permanecer espectadores que, facilmente, transformam-se em renegadores, porque correm o risco de não conhecer verdadeira e profundamente o Senhor, senão por «ter ouvido falar» (Jó 42,5). Pensam saber os judeus, porque sabem de onde vem Jesus, que coisas ele diz... mas realmente não o conhecem, porque não o amam e não o acolhem profundamente, e o amor é único modo de conhecer: «E vós não o conheceis...» (Jo 7,28). Somente quando uma pessoa se sente amada pode deixar-se conhecer, pois ao contrário, não lhe resta fazer senão como Jesus, o qual vem «como que às escondidas» porque sabia que «os judeus buscavam matá-lo» (7,1). Ama-se verdadeiramente uma pessoa quando se aceita que ela faça, com liberdade e beleza, o seu caminho. Os judeus, ao contrário, e talvez, nós com eles, amamo-nos tão pouco que não suportamos que alguém conheça as alegrias do amor, que dão segurança e consistência: «Porque a sua vida é muito diferente da dos outros, e seus caminhos são completamente diferentes» (Sb 2,15). O amor pode dar segurança, mas também pode desestabilizar... e como nós nos colocamos? Assim fala Cristo nas Odes: «Fui inútil para os meus conhecidos, que tive que esconder-me daqueles que não me possuiam»[2].
D. Ruberval Monteiro da Silva OSB
D. Ruberval Monteiro da Silva OSB
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